Thursday, March 5, 2009

CO2 e mudanças climáticas: Mito ou realidade?

No ano de 2006, Al Gore, ex-vice-presidente na era de Clinton e ex-candidato democrata à presidência dos EUA (derrotado por George W. Bush nas eleições para o seu primeiro mandato), lançou um documentário chocante sobre alterações climáticas que virou a balança da opinião pública – o famoso “An Inconvinient Truth”. As imagens assustadoras de glaciares a derreter, aliadas a previsões de cheias e outras catástrofes ambientais (e troços para comover e puxar lágrimas, por exemplo do desastre do furacão Katrina em New Orleans), espalharam pela sociedade um receio profundo de tal cenário apocalíptico. Até esse momento, havia discussões acesas e divididas sobre a veracidade do aquecimento global e a sua atribuição à emissão de CO2 para a atmosfera, que dividiam os media e realçavam a necessidade de estudar mais a fundo o problema. Depois do lançamento do documentário (e da atribuição do prémio Nobel da Paz ao Al Gore, em 2007), o tema foi dado como esclarecido e a discussão passou de “será verdade?” para “como podemos controlar a situação?”.

No entanto, a comunidade científica continua dividida. O que todos têm vindo a tomar como certo, a tal destruição terrestre que acreditam que nos espera se não controlarmos drasticamente as emissões de CO2, ainda é debatido por alguns cientistas e políticos. Entre as pessoas que rejeitam as conclusões globalmente aceites estão milhares de cientistas reputados, aos quais se aliam grandes pensadores independentes. De um lado, os defensores da teoria de aquecimento global acreditam em três pontos essenciais: está provado que a Terra está a aquecer de forma anormal; está provado que esse aquecimento extremo (que terá efeitos nefastos no planeta) está a ser causado pelo dióxido de carbono que lançamos para a atmosfera; e o combate às emissões de CO2 está ao nosso alcance através de uma série de medidas fáceis de implementar, que poderão até criar emprego. Do outro lado, os que questionam as emissões de CO2 como causa do aquecimento global defendem que: o aquecimento recente da Terra não tem fugido ao esperado, tendo em conta o registo histórico; não existe qualquer prova de que o carbono atmosférico seja a causa fundamental do aquecimento global; e o combate ao aquecimento global vai ser realizado às custas de outras causas nobres, como o combate contra a pobreza.

Discutamos estes tópicos ponto a ponto:

Estará a Terra a aquecer anormalmente?
Ninguém questiona que o aquecimento global anormal poderia ter consequências gravíssimas para o nosso planeta. Todos confirmam efeitos terríveis de tal fenómeno, como a subida drástica do nível das águas (submergindo zonas onde actualmente habitam dezenas de milhões de pessoas), o risco de arrefecimento dramático da Europa e o aumento do número e impacto de catástrofes ambientais (como furacões e tornados). No entanto, existe alguma controvérsia quanto à ideia de que a Terra se encontra actualmente numa tendência de aquecimento anormal.
Os defensores da teoria de aquecimento global apresentam várias provas nesse sentido. Em primeiro lugar, falam do aquecimento atmosférico: explicam que os dez anos mais quentes dos últimos cem se passaram todos há menos de 14 anos, e que o mais quente foi 2005. Em segundo lugar, falam do aquecimento do mar: dizem que as temperaturas da água têm vindo a subir consistentemente no século passado. Finalmente, falam da redução das zonas geladas: mostram que os glaciares têm vindo a derreter, diminuindo consideravelmente tanto de área como de espessura (redução de 40% na sua espessura desde 1970!).
Do outro lado, os que questionam o aquecimento global dizem que a temperatura Terrestre se encontra dentro do previsto e considerado normal. Em relação à temperatura atmosférica, mostram que no último século houve um período de subida entre os anos vinte e os anos quarenta, seguido de uma descida até aos anos sessenta (em que se chegou a temer o arrefecimento global), terminando com o aumento de temperatura que se tem sentido nos últimos anos (até 2005). Terminam realçando que o século XX não foi o mais quente do milénio, contrariamente ao que por vezes se dá a entender. Em relação ao mar, defendem que a temperatura está a subir, de facto, mas de forma gradual desde o ano 1500 D.C., em que terá ocorrido um mínimo histórico. De facto, apesar do aumento constante desde 1500 D.C., ainda estamos longe de atingir a temperatura que se fazia sentir no ano 1000 A.C. Finalmente, em relação ao descongelamento glaciar, defendem que é um processo que se tem passado lentamente desde o ano 1800 D.C., com um atraso de 20 anos relativamente a aumentos de temperatura, e que há na realidade um conjunto de glaciares que têm vindo a aumentar nos anos recentes (em diversas zonas do mundo), pelo que não se trata de um processo irreversível.

Será o CO2 a causa fundamental do aquecimento global?
O segundo ponto debatido, a disputa em relação à possibilidade de se considerar o dióxido de carbono libertado por humanos como causa do aquecimento global extraordinário, é o mais importante em discussão, já que é o que põe em causa o tratado de Kyoto (que limita as emissões de carbono de todos os países que escolheram ratificá-lo – não foi o caso dos Estados Unidos e da Austrália) e os recentes esforços de criação de mercados de carbono nos Estados Unidos e na União Europeia.
Em relação a este ponto, os defensores da teoria do aquecimento global são claros e inequívocos (nem poderiam falar de outra forma): dizem que a relação está provada. Em primeiro lugar, explicam o fenómeno de efeito de estufa, em que o carbono atmosférico aprisiona o calor reflectido pela superfície terrestre, contribuindo para uma subida da temperatura atmosférica. Isto serve para deixar uma base lógica de causalidade entre carbono e aquecimento. Depois, apresentam um gráfico que mostra que o nível de carbono na atmosfera tem vindo de mãos dadas com a temperatura terrestre desde há centenas de milhares de anos, deduzindo que de facto existe essa tal relação de causalidade. Finalmente, dizem que apenas cerca de um porcento dos artigos científicos publicados nos últimos cem anos questionam o fenómeno de efeito de estufa, pelo que a comunidade científica está de acordo sobre a questão (apesar deste facto, os media têm 58% de artigos a questionar a causalidade da relação entre carbono libertado por humanos e aquecimento global, o que sugere a existência de lobbies na origem de tais artigos – por exemplo a indústria petrolífera).
Do outro lado, lançam-se dúvidas e contra-argumentos. Quanto ao efeito de estufa, aceitam que é uma teoria com bases científicas, mas apontam para o facto de não se saber qual a intensidade desse efeito (se será responsável pelo aumento de um grau centígrado, ou de dez), nem a quantidade de CO2 que seria necessário libertar para que se verificasse (ou seja, se as quantidades que temos libertado são suficientes para causar algum efeito). Em relação ao acompanhamento histórico da temperatura e do carbono na atmosfera, mostram que os aumentos de carbono têm vindo depois dos aumentos de temperatura, revertendo a relação de causalidade. Para deixar bem claro: o que dizem é que historicamente o aumento de temperatura causa um aumento de carbono na atmosfera, em vez de ser ao contrário. Explicam este facto com o dado inquestionado (mesmo pelos defensores da teoria do aquecimento global) de a água do mar ter menos capacidade de retenção de CO2 com temperaturas mais elevadas. Mais ainda, apresentam uma relação entre a actividade solar e a temperatura terrestre como sendo mais forte que a relação com o nível de carbono atmosférico (sendo que nesta relação de causalidade é evidente que a causa seria o Sol). Finalmente, em relação ao suposto consenso da comunidade científica, acumularam várias listas de assinaturas de cientistas reputados que defendem que o aquecimento global ainda é uma questão controversa que deve ser discutida e analisada em maior detalhe. Terminam realçando o facto de grande parte dos estudos realizados visarem provar a teoria do aquecimento global e não esclarecer o fenómeno do aquecimento global, o que segundo eles denota parcialidade.

A restrição de emissões de CO2 terá consequência económicas graves?
Finalmente, vem o terceiro ponto de disputa: os efeitos económicos do combate à libertação de carbono. É importante pormos um preço no conjunto de medidas de que se fala, para sabermos exactamente aquilo de que estamos a abdicar para as concretizarmos.
Do lado dos defensores do controlo da libertação de CO2 há dois argumentos fundamentais para a suposta facilidade de implementação das medidas e reduzido impacto económico. Em primeiro lugar, dizem que não só já dispomos da tecnologia necessária para o fazermos, como ainda por cima grande parte das medidas são economicamente rentáveis por si só (por exemplo, usar lâmpadas de alto rendimento é um investimento que compensa em termos económicos – a energia poupada compensa o preço da lâmpada). Em segundo lugar, dizem que as grandes mudanças a nível mundial vão criar emprego, por exemplo na renovação da rede eléctrica ou na construção de centrais de energias renováveis.
Do outro lado, a crítica é feroz. Vários economistas, nomeadamente o controverso presidente da República Checa, Vaclav Klaus, defendem que o ponto não está sequer em dúvida: para reduzirmos as emissões de CO2 vamos sempre ter de reduzir a produtividade, já que a legislação ecológica apresentará restrições à actividade industrial. Mais ainda, explicam que este fenómeno será bastante injusto, já que afectará principalmente os países que se encontram actualmente em desenvolvimento explosivo, como a China e a Europa de Leste, que sem tais restrições veriam as suas emissões aumentar cerca de 30% ao ano (os Estados Unidos e a Europa, que poluíram muito no passado e já conseguiram chegar a um patamar produtivo estável, não serão tão afectados pelas restrições de emissões). Assim sendo, um combate global às emissões de CO2 seria injusto e teria consequências graves a nível de pobreza e desigualdades económicas e sociais.

Todo este tema foi varrido para debaixo do tapete da opinião pública mundial. Neste momento, os líderes políticos têm como única preocupação arranjar formas de combater as emissões de CO2, dando como ultrapassada a discussão sobre as causas reais do aquecimento global. Alguém que exprima em público dúvidas sobre a veracidade da influência do CO2 no aquecimento global é tomado como parvo ou capitalista selvagem, mesmo que revele estar bem informado sobre o assunto. Por outro lado, esta situação dá força aos movimentos de “limpeza atmosférica”, que estão a finalmente a conseguir entrar nos Estados Unidos e prometem vir a alcançar reduções consideráveis de poluição. A força deste movimento é vital para o seu sucesso, principalmente numa época de recessão em que é extraordinariamente difícil abordar temas que condicionem a riqueza económica (como o ambiente).

Há milhentos vídeos e sites a defender a teoria do aquecimento global. Como há menos a pô-la em causa, deixo aqui links para três vídeos com o presidente Vaclav Klaus, da República Checa, que argumenta de forma extraordinariamente eloquente contra algumas ideias instituídas:

http://video.google.com/videosearch?q=klaus+warming&emb=0&aq=f#
http://www.youtube.com/watch?v=E0oVdGPAZ3A
http://video.google.com/videosearch?q=klaus+warming&emb=0&aq=f#q=vaclav+klaus+&emb=0


Saturday, February 21, 2009

A queda do mercado de crédito habitação subprime

A principal faísca que despoletou a combustão da economia mundial foi a queda de valor dos fundos de investimento em empréstimos habitação subprime. Foi quando se começou a perceber que estes investimentos tinham risco muito mais elevado do que o previsto, em meados de 2008, que surgiram os primeiros choques na banca que acabaram por resultar na recessão que actualmente vivemos (como explicado no post sobre a origem da crise). Por este motivo, faz sentido explicar exactamente o que são, como surgiram e quem foi o responsável pela especulação nos empréstimos subprime.


Os bancos são instituições financeiras altamente regulamentadas, precisamente com o intuito de evitar crises de liquidez que comprometam o funcionamento dos mercados. São alvo de um conjunto de regras de controlo de risco que pretendem garantir que os gestores não estão a tratar os depósitos dos clientes de forma demasiado arrojada. Uma das leis mais críticas para assegurar uma certa solidez destas instituições face a potenciais falhas nos investimentos que realizam tem a ver com a obrigatoriedade de manterem uma reserva de capital proporcional aos investimentos que fazem e ao risco dos mesmos. Por outras palavras, de forma muito simplificada, os bancos não podem investir todo o dinheiro que lhes passa pela cabeça, têm de guardar uma pequena percentagem do valor investido em reserva (maior no caso de realizarem muitos investimentos arriscados), de forma a garantir que mesmo que alguns investimentos corram mal a sua contabilidade não desaba. Isto limita consideravelmente a capacidade de investimento dos bancos.

Depois da (pequena) recessão de 2001-2002, o mercado imobiliário americano começou a escalar de forma desmesurada. As casas começaram a aumentar de valor de ano para ano, e surgiu uma ideia generalizada de que se tratava de uma tendência que iria continuar indefinidamente. Este tipo de empréstimos era muito apelativo porque tinha associado um retorno considerável sem ter aparentemente muito risco associado (nomeadamente porque estavam baseados em imóveis que pareciam não parar de valorizar). No entanto, quando os bancos começaram a tentar investir os seus recursos neste tipo de crédito chegaram rapidamente à conclusão que estavam limitados pela tal obrigatoriedade de manterem reservas para cobrir o risco dos negócios. Na prática, não conseguiam emprestar tanto quanto queriam.

Para contornar esta situação, os bancos recorreram a uma solução engenhosa: em vez de manterem estes empréstimos nas suas contas (incorrendo na tal necessidade de reservas de capital), começaram a juntar muitos destes créditos em pacotes de investimento e a vendê-los directamente a grandes clientes. Por exemplo, uma empresa que anteriormente depositasse o seu dinheiro num banco que depois tratasse de o aplicar em crédito habitação passou a investir directamente o seu dinheiro na compra destes pacotes de investimento, pagando uma taxa de mediação ao banco. Como o banco já não era responsável pelo risco associado aos créditos, porque estes saíram das suas contas, passou a poder realizar um volume muito maior de operações (na prática, ilimitado).

No início, todos estavam contentes e tudo parecia correr bem. Havia uma rede de agências de captação imobiliária que encontravam clientes e os punham em contacto com os bancos (nomeadamente as conhecidas Fannie Mae e Freddie Mac), e os bancos realizavam os empréstimos, juntavam-nos em pacotes com características comuns e vendiam-nos a quem quisesse comprar. Eram empréstimos com retornos consideráveis, e aparentemente muito seguros porque eram oferecidos a famílias com capacidade financeira para realizar os pagamentos a tempo (eram os chamados empréstimos-habitação prime). As suas características tão desejáveis tornaram estes empréstimos num best-seller do mundo bancário.


Passado pouco tempo, os bancos começaram a entender que não eram de todo afectados pelo risco destes empréstimos habitação que captavam. Na realidade, como apenas ficavam com os empréstimos no curto período em que os juntavam em pacotes para posterior revenda, os bancos pareciam estar muito pouco afectados pelos potenciais problemas associados a atrasos e falhas de pagamento. Por outro lado, começaram a escassear as famílias com capacidade financeira que ainda se encontravam em posição de comprar casa (já toda a classe média tinha casa própria), o que tornava necessário encontrar outros interessados para manter este ciclo tão lucrativo em funcionamento.

Estes dois factores fizeram mudar as regras do jogo. Em vez de pedirem às famílias um pagamento inicial, exigirem comprovativos de rendimento e realizarem uma análise de risco, as agências de captação imobiliária e os bancos optaram por começar a emprestar a toda a gente. Neste momento, um indivíduo sem emprego, com três filhos e um problema de alcoolismo podia comprar uma casa com um empréstimo bancário. Os bancos estavam pouco preocupados com o risco, porque ficavam pouco tempo com estes empréstimos nas mãos até os venderem aos investidores. Na prática, eram intermediários e apenas recebiam uma comissão. As agências de captação imobiliária tinham um papel semelhante: limitavam-se a receber uma comissão por cada empréstimo realizado. Todos tinham incentivos para vender o mais possível sem olhar a quem… No meio disto tudo, o único real afectado pelo risco seria o comprador final, o tal investidor que comprava os tais pacotes de empréstimos.

Neste momento, entrou outro interveniente controverso em jogo: as agências de rating (por exemplo a famosa Standards & Poors ou a Moody's). Estas empresas têm a responsabilidade exclusiva de avaliarem o risco de investimentos e empréstimos (por exemplo a empresas ou países). Na prática, quando um banco quer colocar algum produto de investimento à venda no mercado financeiro contrata uma destas empresas para analisar detalhadamente as suas características e lhe dar um selo de risco associado (que varia entre F – muito arriscado – e AAA – muito seguro). O facto de estas empresas serem pagas pelo vendedor do produto que vai ser avaliado é controverso, especialmente porque elas só recebem se o cliente aceitar o rating que recebeu (senão, pode sempre tentar contratar outra agência concorrente que lhe dê uma avaliação melhor), mas muitos defendem que são quase sempre fiáveis pela importância que tendencialmente dão à sua reputação (se a Standards & Poors começasse a dar rating AAA a empréstimos arriscados, a sua reputação perder-se-ia e na prática o seu selo deixaria de ter qualquer significado).

Em relação aos produtos financeiros baseados em empréstimos habitação subprime, as agências de rating deveriam idealmente ter lançado um aviso aos investidores, nomeadamente avaliando tais produtos de forma extremamente negativa (por exemplo dando-lhes um rating de C ou de D). O que se passou na realidade, pelo contrário, foi que olharam para a constante tendência de valorização do mercado imobiliário e disseram algo como: “mesmo que as famílias não paguem, a casa que assegura o empréstimo vai continuar a valorizar e como tal o risco associado é muito baixo – vou avaliar o fundo de investimento com um A”. Os investidores finais, que na prática quase não sabem o que está dentro de cada pacote de produtos financeiros, têm pouco remédio senão confiar na palavra destas agências supostamente imparciais e conscientes. Como tal, compraram estes produtos baseados em empréstimos subprime como se fossem tão seguros como o rating lhes dizia.


A partir de meados de 2006, o mercado imobiliário mudou de forma assustadoramente rápida, com uma queda colossal que culminou no início de 2008. Tudo começou com a incapacidade de algumas famílias pagarem os empréstimos em que tinham incorrido (como era previsível, tendo em conta que se tratava do tal desempregado alcoólico com três filhos…). As suas casas começaram a ser-lhes retiradas pelos donos do empréstimo e postas novamente à venda, de forma a recuperar o investimento. O número de casas à venda começou a aumentar, ao mesmo tempo que cada vez menos pessoas estavam interessadas em comprar, o que foi contribuindo para uma redução dos preços. Com a baixa de preços das casas, algumas famílias viram-se numa situação interessante: estavam a viver numa casa que agora valia menos do que o empréstimo que ainda tinham por pagar! Nestes casos, e aproveitando uma cláusula contratual que lhes permitia devolver o imóvel em troco do restante valor em dívida, algumas famílias começaram pura e simplesmente a abandonar a casa onde viviam, para deixarem de pagar a prestação mensal. Isto baixou ainda mais o valor das casas.

Do outro lado da janela, no mundo financeiro, os mercados evoluíam de forma semelhante com a queda no valor dos produtos financeiros constituídos por empréstimos subprime. Os bancos, que apesar de servirem apenas de intermediário tinham um grande volume destes produtos financeiros nas suas contas (os tais empréstimos que ainda estavam a juntar em pacotes antes de os venderem), viram uma grande parte dos seus bens perderem todo o seu valor. Os investidores, que tinham muito dinheiro investido nestes fundos ao longo dos anos, foram afectados por perdas enormes. O mundo financeiro estagnou com uma falta de liquidez e começou a ameaçar ruir totalmente. Começou a crise financeira, e posteriormente a recessão (ver o post sobre a origem da crise).


Neste momento, ao mesmo tempo que se discute a melhor forma de controlar a recessão mundial problemática que vivemos, existe uma vontade enorme de apontar o dedo aos culpados e de mudar as regras do jogo para garantir que isto não volta a acontecer. Fala-se muito na regulamentação dos bancos (para não poderem entrar em situações de risco crítico), na nacionalização das empresas de rating (para não serem pagas pelo vendedor do produto que avaliam) e na revisão do sistema de incentivos dos trabalhadores do mundo financeiro (para não serem pessoalmente beneficiados por incorrerem em estratégias de alto risco). Todos estes pontos são altamente controversos, e serão brevemente descritos em posts imparciais.

Sunday, February 15, 2009

A controversa intervenção governamental na crise

Na triste situação em que nos encontramos actualmente, com uma tremenda falta de liquidez financeira global e com contracções na produção e no consumo mundial, na negra espiral negativa que tão bem caracteriza o início das recessões, tem-se falado muito acerca da melhor forma de os governos suavizarem ou contrariarem esta crise e conseguirem inverter o rumo da economia mundial. Ainda não existe consenso na comunidade académica sobre a melhor forma de combater a recessão, havendo prémios Nobel e distintos professores de economia em ambos os lados da análise macroeconómica. Como tal, parece-me relevante deixar aqui uma descrição simples e imparcial das diversas opções que apresentam.

Convém deixar claro que há dois tipos fundamentais de acção governamental que têm sido discutidos recentemente e que é importante não confundir. Um deles, comummente chamado bailout plan, pretende contrariar a crise financeira, devolvendo liquidez aos bancos e reabilitando os sistemas de crédito dos quais depende o mercado mundial. Dito de outra forma, pretende voltar a activar os bancos, que neste momento estão para todos os efeitos “congelados”. Este plano contempla todas as medidas relacionadas com injecção de capital nos bancos, e a discussão a seu respeito prende-se principalmente com o valor a injectar e a melhor forma de o distribuir e controlar. O outro tipo de acção governamental, chamado stimulous plan, diz respeito à reanimação da economia, pretendendo estimular as empresas a produzir e a população a consumir. É uma espécie de estalada na cara da sociedade desmaiada, ainda não consciente das palavras de Roosevelt durante a Grande Depressão: “there is nothing to fear but fear itself”. Este plano contempla tanto os investimentos governamentais em obras públicas como as reduções fiscais, sempre com o intuito de levar a população a regressar ao consumo.


O bailout plan Norte-americano não nasce exactamente no mesmo contexto do que existe em Portugal, tendo complexidades acrescidas por se encontrar no epicentro da crise mundial (muitos dos bancos americanos têm bens directamente afectados pela crise no seu balanço, o que não se passa tanto em Portugal), mas é sem dúvida o mais relevante e que poderá ter mais impacto a nível mundial. Como tal, parece-me importante descrevê-lo em detalhe.
O anúncio da nova versão do plano realizou-se na semana passada pelo director do Tesouro, Tim Geithner. A apresentação foi mal recebida pelos mercados mundiais (queda de 5% na bolsa americana), não só por o plano ter sido muito mal explicado numa conferência de imprensa que nem teve espaço para questões dos jornalistas, mas também por ter dimensão inferior ao que era esperado. O plano consiste na injecção de cerca de 2,5 triliões de dólares no mercado financeiro, através de quatro medidas fundamentais:
1- Injecção directa de 1 trilião de dólares nos bancos de maior dimensão, sob a forma de empréstimo governamental. No entanto, os bancos que desejem aceder a este valor serão submetidos a um teste cuidadoso das suas contas para garantir que não cairão em situações complicadas de falência nos tempos vindouros. Um dos pontos mais delicados desta dívida prende-se com o facto de, no caso de os bancos que a receberem serem incapazes de operar da melhor forma, esta se transformar numa participação accionista com papel activo. Na prática, isto pode representar uma espécie de nacionalização disfarçada (o que é defendido abertamente por exemplo pelo Paul Krugman, mas que assusta imenso os defensores do mercado aberto que caracteriza a economia americana).
2- Compra, em parceria com privados, de 1 trilião de dólares em activos de risco das instituições financeiras (ou seja, compra dos investimentos duvidosos que ainda estão nas contas dos bancos). O objectivo da parceria com privados tem a ver com o estabelecimento do preço dos bens a adquirir (se o governo os comprar caro estará na prática a desperdiçar dinheiro dos contribuintes, mas se os quiser comprar demasiado barato não conseguirá convencer os bancos a vender). Este ponto deixa muitas dúvidas por esclarecer, e tem sido alvo de críticas por parte de analistas económicos e de mercados.
3- Compra de 1 trilião de dólares em empréstimos suportados por activos (por exemplo de casas, carros, empréstimos a estudantes…). Isto pretende manter o fluxo de dinheiro e de crédito na economia.
4- Compra directa de dívidas das agências de crédito habitação, com o objectivo de manter as taxas relativamente baixas e ajudar os cidadãos em risco a evitar o incumprimento nos seus empréstimos.
O equivalente português a este plano consiste no apoio da banca no acesso aos mercados financeiros internacionais. Para esse efeito, o estado serve de fiador dos bancos portugueses que procuram pedir dinheiro emprestado no estrangeiro, garantindo que se eles entrarem em incumprimento o estado ficará responsável pela dívida (cobra uma comissão de 1% sobre o capital adquirido, o que muitos consideram baixo). Trata-se de um plano consideravelmente mais modesto, mas talvez adequado à dimensão nacional.


O stimulous plan tem sido alvo de maior discussão. Tanto o mundo político como o mundo académico estão divididos entre os que defendem uma intervenção através de investimento público (desenvolvimento de infra-estruturas, utilizando mão-de-obra e combatendo o desemprego, ao mesmo tempo que se aumenta a competitividade do país) e os que defendem uma intervenção através de estímulos fiscais (pondo mais dinheiro no bolso dos contribuintes, aumentando o consumo e possivelmente reavivando a economia). Como tal, faz sentido analisá-lo com cuidado.

Do lado dos que defendem o investimento público está, entre outros, o prémio Nobel da economia Paul Krugman, bem como o grosso do Partido Democrata de Barack Obama. Muito baseados nos ensinamentos de Keynes, que foram centrais no combate à Grande Depressão dos anos 30, estes economistas defendem que uma injecção de capital em investimento público gera empregos “artificiais” temporários que serão suficientes para estimular o consumo e a produção, e como tal reavivar a economia, resultando a longo prazo na geração de empregos criados no funcionamento normal do mercado. É o mesmo princípio da reanimação cardíaca: um choque “falso” põe o coração a funcionar normalmente e a produzir os seus próprios estímulos eléctricos naturais. Além deste benefício de reanimação económica, os defensores do investimento público extraordinário acreditam que este permitirá construir um conjunto de infra-estruturas essenciais para o desenvolvimento futuro do país (no caso dos Estados Unidos trata-se fundamentalmente da construção de redes energéticas mais eficientes, da melhoria dos sistemas de telecomunicações, e do desenvolvimento geral das redes de transportes).
Os principais opositores do investimento público extraordinário têm três falhas principais a apontar a esta estratégia. Em primeiro lugar, defendem que a criação de empregos “falsos” contraria o desenvolvimento natural do mercado, desequilibrando a economia. Dito de outra forma, estimula o país a focar-se por exemplo na construção civil (que acabou de se provar estar sobredimensionada), o que dentro de alguns anos, quando terminar o financiamento através do plano de estímulo, poderá resultar numa nova redução do sector que se traduzirá em novos despedimentos. Em segundo lugar, dizem que o governo está na prática a “roubar” fundos ao sector privado, o que só traria benefícios no caso de o governo ser melhor investidor que o mercado (o que normalmente seria considerado absurdo, mas neste preciso momento é discutível dadas as origens da crise que vivemos). Em terceiro lugar, acreditam que a decisão de investir tanto dinheiro em tão pouco tempo, particularmente em infra-estrutura, vai na prática reduzir consideravelmente o impacto imediato do estímulo (que poderia ser mais intenso se fosse pensado exclusivamente no impacto económico e pudesse ser investido ao longo dos anos, em investimentos de retorno elevado), possivelmente comprometendo em absoluto os seus benefícios.

Do lado dos que defendem o choque fiscal está, entre outros, o professor de finanças John Cochrane, bem como o grosso do partido Republicano (com a excepção de dois ou três senadores). Estes senhores defendem que uma redução temporária (há até quem defenda uma redução permanente…) dos impostos levará os consumidores a partirem para os centros comerciais para gastar o dinheirinho extra que têm no bolso, retomando os níveis desejados de consumo e estimulando novamente a economia. O aumento do consumo traz o aumento da produção, e como tal a criação de emprego. Isto terá, defendem, a vantagem de permitir distribuir o dinheiro pelos sectores económicos certos (escolhidos pelos consumidores), sem as falácias associadas a um critério definido pelo governo. Por outras palavras, as pessoas vão gastar o dinheiro naquilo que lhes faz falta, contribuindo para o desenvolvimento da indústria necessária ao país e resultando num crescimento prolongado e sustentável (assumindo que não vão surgir mais bolhas especulativas…).
Os principais opositores a esta medida agarram-se à suposição de que as pessoas interpretarão a baixa temporária de impostos como dinheiro que eventualmente terão de pagar no futuro (a tão falada equivalência ricardiana diz que é indiferente em termos de efeito na economia financiar o investimento público com aumento imediato de impostos ou com dívida – na prática impostos no futuro…), e preferirão poupar o dinheiro extra para tempos de necessidade em vez de o consumirem. Na prática, isto significaria que uma redução fiscal não teria qualquer efeito de estímulo económico. No entanto, existem várias variantes a esta estratégia que contemplam formas de contrariar este problema (por exemplo focando a redução de impostos nas classes mais baixas, que terão mais tendência a gastar imediatamente o aumento marginal de retorno).


Resta dizer que o plano de estímulo que acabou de ser aprovado para os Estados Unidos consiste em cerca de 500 biliões de dólares de investimento em obras públicas e cerca de 250 biliões de dólares em redução fiscal, tendo passado dos quase 900 biliões inicialmente propostos pela administração de Obama para pouco mais de 750 biliões. Esta redução foi vista por muitos como uma forma de os chamados “centralistas” (senadores republicanos com postura de certa forma mais próxima da dos democratas, necessários para a aprovação do documento no senato) mostrarem serviço, dada a aparente superficialidade das modificações face à versão original. Os mercados reagiram positivamente à aprovação do plano de estímulo (que se chegou a pensar que pudesse nunca vir a ser aprovado…), com uma subida de cerca de 1%.

Saturday, February 14, 2009

A origem da grande crise de 2008-?

Apesar da proliferação recente de explicações sobre a recente crise financeira e económica mundial, tenho tido dificuldades em encontrar uma que seja suficientemente fácil de entender. Deixo aqui o meu resumo muito simplificado dos acontecimentos.

A banca de investimento tem um modelo de negócio muito simples, mas que é importante manter presente para compreender o que se passou. O funcionamento básico é o seguinte: recolhe-se dinheiro para investir, investe-se, e passado algum tempo recebe-se o retorno desse investimento. Antes da maturação do investimento (ou seja, antes da data final de retorno) pode existir destruição temporária de valor – no exemplo da construção de uma fábrica, recolhem-se 1 M€ em fundos de 10 fontes que investem 100 k€ cada uma; depois, durante a fase de construção, os tijolos e os materiais valem apenas 0,7 M€; no final da obra feita a fábrica vale 1,3 M€, equivalente a um retorno de 30% no investimento. Esta destruição temporária de valor durante a fase de construção é um conceito essencial para compreender a exposição constante dos bancos aos investidores.

A qualquer momento, qualquer investidor pode decidir retirar a sua parte do bolo total, perdendo os juros que receberia até ao momento (se investiu 100 k€, pode retirar exactamente os 100 k€ que investiu, sem partilhar os lucros futuros – idealmente será uma má decisão, porque significa abdicar do valor criado até ao momento pelo seu dinheiro). Mas podemos imaginar uma situação em que todos os investidores tentem retirar o seu investimento ao mesmo tempo, o que no momento errado implica que não haverá dinheiro para todos, precisamente devido ao tal fenómeno de destruição temporária de valor – no exemplo da fábrica, só sete em cada dez financiadores conseguirão recuperar o seu investimento inicial de 100 k€, se todos o fizerem no momento em que o investimento vale 0,7 M€. A este fenómeno nefasto chama-se “corrida aos bancos”, um problema de natureza social associado ao medo generalizado, para o qual todos os bancos estão hoje em dia segurados individualmente (mas nenhuma seguradora consegue cobrir situações de catástrofe global).

No caso da crise actual, o cenário é ainda mais complicado que esta “corrida aos bancos” teórica. O grande problema que se descobriu foi que não se sabe exactamente qual será o retorno dos investimentos realizados, e teme-se que seja de facto inferior ao valor investido inicialmente (no exemplo da fábrica, é o mesmo que descobrir a meio do projecto que a fábrica valerá apenas 0,8M€ depois de construída!). Muitos dos investimentos em crédito habitação de risco elevado (subprime) que foram vendidos um pouco por todo o mundo foram desmascarados como estando claramente inflacionados e foram revistos em baixa. Isto levou toda a gente a querer tirar de lá o seu investimento ao mesmo tempo (na prática tentando vender os pacotes de investimentos que tinham comprado), o que destruiu totalmente o valor desses bens e secou os bancos que eram responsáveis pela sua negociação. Na prática, todos esses investimentos passaram a valer zero (nota: para perceber exactamente como surgiram esses investimentos – de forma aparentemente pouco ética – podem consultar o post sobre a crise subprime). Este foi o início da crise que agora estamos a viver.

Mas como é que um simples investimento falhado, por mais volumoso que seja, pode estar a pôr em causa toda a economia mundial? Não deveria ser apenas a causa de falência de algumas instituições financeiras? Porque é que está a afectar tantas empresas que pouco ou nada têm a ver com crédito habitação ou com banca?

Nas últimas décadas, as empresas têm cada vez mais procurado diversificar as suas fontes de lucro, nomeadamente investindo o seu capital em produtos financeiros disponibilizados por bancos de investimento. São elas alguns dos grandes financiadores por trás de muitos dos investimentos movidos pela banca – são os tais dez investidores de 100 k€ no exemplo da fábrica. Quando todos estes produtos em que tinham investido começaram a revelar-se falhados, estas empresas tiveram de anunciar prejuízos elevados, relacionados com a revisão do seu valor no seu balanço contabilístico.

Houve outro efeito negativo da crise financeira nos restantes sectores da economia, associado a uma falta de liquidez generalizada. Os bancos de investimento começaram a cair devido ao peso dos seus investimentos falhados (o Lehman Brothers faliu e o Bear Sterns foi salvo por fundos governamentais) e começou a generalizar-se uma desconfiança geral no sistema financeiro: os bancos deixaram de querer emprestar dinheiro uns aos outros, temendo mais falências, e todos preferiram agarrar-se ao capital que ainda tinham disponível, de forma a garantirem alguma margem de manobra interna face a possíveis dificuldades de recuperação de investimentos. Isto reduziu a disponibilidade de empréstimos tanto a particulares como a empresas, na prática resultando numa enorme estagnação financeira mundial.

Toda esta crise financeira começou a transpirar para o resto da sociedade, criando um clima geral de recessão. Os consumidores foram ficando cada vez mais preocupados, começando a poupar em vez de gastar ou investir o pouco capital que tinham disponível. Isto criou enormes dificuldades às empresas, que deixaram de conseguir ter mercado para toda a sua produção, resultando em acumulação de inventário e contenção da produção, o que acabou por significar despedimentos generalizados.

É neste ponto que estamos neste momento, numa situação de profunda recessão. As pessoas continuam a reduzir o consumo, temendo um futuro complicado, e isso contribui para a diminuição das vendas de grande parte das empresas, que não têm outro remédio senão reduzir a produção e despedir algumas pessoas. Agora, compete aos governos pensar na melhor forma de inverter esta tendência problemática de redução da produção e consumo. Brevemente relataremos as discussões enormes entre académicos de economia acerca da melhor forma de o fazer.