Saturday, February 14, 2009

A origem da grande crise de 2008-?

Apesar da proliferação recente de explicações sobre a recente crise financeira e económica mundial, tenho tido dificuldades em encontrar uma que seja suficientemente fácil de entender. Deixo aqui o meu resumo muito simplificado dos acontecimentos.

A banca de investimento tem um modelo de negócio muito simples, mas que é importante manter presente para compreender o que se passou. O funcionamento básico é o seguinte: recolhe-se dinheiro para investir, investe-se, e passado algum tempo recebe-se o retorno desse investimento. Antes da maturação do investimento (ou seja, antes da data final de retorno) pode existir destruição temporária de valor – no exemplo da construção de uma fábrica, recolhem-se 1 M€ em fundos de 10 fontes que investem 100 k€ cada uma; depois, durante a fase de construção, os tijolos e os materiais valem apenas 0,7 M€; no final da obra feita a fábrica vale 1,3 M€, equivalente a um retorno de 30% no investimento. Esta destruição temporária de valor durante a fase de construção é um conceito essencial para compreender a exposição constante dos bancos aos investidores.

A qualquer momento, qualquer investidor pode decidir retirar a sua parte do bolo total, perdendo os juros que receberia até ao momento (se investiu 100 k€, pode retirar exactamente os 100 k€ que investiu, sem partilhar os lucros futuros – idealmente será uma má decisão, porque significa abdicar do valor criado até ao momento pelo seu dinheiro). Mas podemos imaginar uma situação em que todos os investidores tentem retirar o seu investimento ao mesmo tempo, o que no momento errado implica que não haverá dinheiro para todos, precisamente devido ao tal fenómeno de destruição temporária de valor – no exemplo da fábrica, só sete em cada dez financiadores conseguirão recuperar o seu investimento inicial de 100 k€, se todos o fizerem no momento em que o investimento vale 0,7 M€. A este fenómeno nefasto chama-se “corrida aos bancos”, um problema de natureza social associado ao medo generalizado, para o qual todos os bancos estão hoje em dia segurados individualmente (mas nenhuma seguradora consegue cobrir situações de catástrofe global).

No caso da crise actual, o cenário é ainda mais complicado que esta “corrida aos bancos” teórica. O grande problema que se descobriu foi que não se sabe exactamente qual será o retorno dos investimentos realizados, e teme-se que seja de facto inferior ao valor investido inicialmente (no exemplo da fábrica, é o mesmo que descobrir a meio do projecto que a fábrica valerá apenas 0,8M€ depois de construída!). Muitos dos investimentos em crédito habitação de risco elevado (subprime) que foram vendidos um pouco por todo o mundo foram desmascarados como estando claramente inflacionados e foram revistos em baixa. Isto levou toda a gente a querer tirar de lá o seu investimento ao mesmo tempo (na prática tentando vender os pacotes de investimentos que tinham comprado), o que destruiu totalmente o valor desses bens e secou os bancos que eram responsáveis pela sua negociação. Na prática, todos esses investimentos passaram a valer zero (nota: para perceber exactamente como surgiram esses investimentos – de forma aparentemente pouco ética – podem consultar o post sobre a crise subprime). Este foi o início da crise que agora estamos a viver.

Mas como é que um simples investimento falhado, por mais volumoso que seja, pode estar a pôr em causa toda a economia mundial? Não deveria ser apenas a causa de falência de algumas instituições financeiras? Porque é que está a afectar tantas empresas que pouco ou nada têm a ver com crédito habitação ou com banca?

Nas últimas décadas, as empresas têm cada vez mais procurado diversificar as suas fontes de lucro, nomeadamente investindo o seu capital em produtos financeiros disponibilizados por bancos de investimento. São elas alguns dos grandes financiadores por trás de muitos dos investimentos movidos pela banca – são os tais dez investidores de 100 k€ no exemplo da fábrica. Quando todos estes produtos em que tinham investido começaram a revelar-se falhados, estas empresas tiveram de anunciar prejuízos elevados, relacionados com a revisão do seu valor no seu balanço contabilístico.

Houve outro efeito negativo da crise financeira nos restantes sectores da economia, associado a uma falta de liquidez generalizada. Os bancos de investimento começaram a cair devido ao peso dos seus investimentos falhados (o Lehman Brothers faliu e o Bear Sterns foi salvo por fundos governamentais) e começou a generalizar-se uma desconfiança geral no sistema financeiro: os bancos deixaram de querer emprestar dinheiro uns aos outros, temendo mais falências, e todos preferiram agarrar-se ao capital que ainda tinham disponível, de forma a garantirem alguma margem de manobra interna face a possíveis dificuldades de recuperação de investimentos. Isto reduziu a disponibilidade de empréstimos tanto a particulares como a empresas, na prática resultando numa enorme estagnação financeira mundial.

Toda esta crise financeira começou a transpirar para o resto da sociedade, criando um clima geral de recessão. Os consumidores foram ficando cada vez mais preocupados, começando a poupar em vez de gastar ou investir o pouco capital que tinham disponível. Isto criou enormes dificuldades às empresas, que deixaram de conseguir ter mercado para toda a sua produção, resultando em acumulação de inventário e contenção da produção, o que acabou por significar despedimentos generalizados.

É neste ponto que estamos neste momento, numa situação de profunda recessão. As pessoas continuam a reduzir o consumo, temendo um futuro complicado, e isso contribui para a diminuição das vendas de grande parte das empresas, que não têm outro remédio senão reduzir a produção e despedir algumas pessoas. Agora, compete aos governos pensar na melhor forma de inverter esta tendência problemática de redução da produção e consumo. Brevemente relataremos as discussões enormes entre académicos de economia acerca da melhor forma de o fazer.

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