Saturday, February 21, 2009

A queda do mercado de crédito habitação subprime

A principal faísca que despoletou a combustão da economia mundial foi a queda de valor dos fundos de investimento em empréstimos habitação subprime. Foi quando se começou a perceber que estes investimentos tinham risco muito mais elevado do que o previsto, em meados de 2008, que surgiram os primeiros choques na banca que acabaram por resultar na recessão que actualmente vivemos (como explicado no post sobre a origem da crise). Por este motivo, faz sentido explicar exactamente o que são, como surgiram e quem foi o responsável pela especulação nos empréstimos subprime.


Os bancos são instituições financeiras altamente regulamentadas, precisamente com o intuito de evitar crises de liquidez que comprometam o funcionamento dos mercados. São alvo de um conjunto de regras de controlo de risco que pretendem garantir que os gestores não estão a tratar os depósitos dos clientes de forma demasiado arrojada. Uma das leis mais críticas para assegurar uma certa solidez destas instituições face a potenciais falhas nos investimentos que realizam tem a ver com a obrigatoriedade de manterem uma reserva de capital proporcional aos investimentos que fazem e ao risco dos mesmos. Por outras palavras, de forma muito simplificada, os bancos não podem investir todo o dinheiro que lhes passa pela cabeça, têm de guardar uma pequena percentagem do valor investido em reserva (maior no caso de realizarem muitos investimentos arriscados), de forma a garantir que mesmo que alguns investimentos corram mal a sua contabilidade não desaba. Isto limita consideravelmente a capacidade de investimento dos bancos.

Depois da (pequena) recessão de 2001-2002, o mercado imobiliário americano começou a escalar de forma desmesurada. As casas começaram a aumentar de valor de ano para ano, e surgiu uma ideia generalizada de que se tratava de uma tendência que iria continuar indefinidamente. Este tipo de empréstimos era muito apelativo porque tinha associado um retorno considerável sem ter aparentemente muito risco associado (nomeadamente porque estavam baseados em imóveis que pareciam não parar de valorizar). No entanto, quando os bancos começaram a tentar investir os seus recursos neste tipo de crédito chegaram rapidamente à conclusão que estavam limitados pela tal obrigatoriedade de manterem reservas para cobrir o risco dos negócios. Na prática, não conseguiam emprestar tanto quanto queriam.

Para contornar esta situação, os bancos recorreram a uma solução engenhosa: em vez de manterem estes empréstimos nas suas contas (incorrendo na tal necessidade de reservas de capital), começaram a juntar muitos destes créditos em pacotes de investimento e a vendê-los directamente a grandes clientes. Por exemplo, uma empresa que anteriormente depositasse o seu dinheiro num banco que depois tratasse de o aplicar em crédito habitação passou a investir directamente o seu dinheiro na compra destes pacotes de investimento, pagando uma taxa de mediação ao banco. Como o banco já não era responsável pelo risco associado aos créditos, porque estes saíram das suas contas, passou a poder realizar um volume muito maior de operações (na prática, ilimitado).

No início, todos estavam contentes e tudo parecia correr bem. Havia uma rede de agências de captação imobiliária que encontravam clientes e os punham em contacto com os bancos (nomeadamente as conhecidas Fannie Mae e Freddie Mac), e os bancos realizavam os empréstimos, juntavam-nos em pacotes com características comuns e vendiam-nos a quem quisesse comprar. Eram empréstimos com retornos consideráveis, e aparentemente muito seguros porque eram oferecidos a famílias com capacidade financeira para realizar os pagamentos a tempo (eram os chamados empréstimos-habitação prime). As suas características tão desejáveis tornaram estes empréstimos num best-seller do mundo bancário.


Passado pouco tempo, os bancos começaram a entender que não eram de todo afectados pelo risco destes empréstimos habitação que captavam. Na realidade, como apenas ficavam com os empréstimos no curto período em que os juntavam em pacotes para posterior revenda, os bancos pareciam estar muito pouco afectados pelos potenciais problemas associados a atrasos e falhas de pagamento. Por outro lado, começaram a escassear as famílias com capacidade financeira que ainda se encontravam em posição de comprar casa (já toda a classe média tinha casa própria), o que tornava necessário encontrar outros interessados para manter este ciclo tão lucrativo em funcionamento.

Estes dois factores fizeram mudar as regras do jogo. Em vez de pedirem às famílias um pagamento inicial, exigirem comprovativos de rendimento e realizarem uma análise de risco, as agências de captação imobiliária e os bancos optaram por começar a emprestar a toda a gente. Neste momento, um indivíduo sem emprego, com três filhos e um problema de alcoolismo podia comprar uma casa com um empréstimo bancário. Os bancos estavam pouco preocupados com o risco, porque ficavam pouco tempo com estes empréstimos nas mãos até os venderem aos investidores. Na prática, eram intermediários e apenas recebiam uma comissão. As agências de captação imobiliária tinham um papel semelhante: limitavam-se a receber uma comissão por cada empréstimo realizado. Todos tinham incentivos para vender o mais possível sem olhar a quem… No meio disto tudo, o único real afectado pelo risco seria o comprador final, o tal investidor que comprava os tais pacotes de empréstimos.

Neste momento, entrou outro interveniente controverso em jogo: as agências de rating (por exemplo a famosa Standards & Poors ou a Moody's). Estas empresas têm a responsabilidade exclusiva de avaliarem o risco de investimentos e empréstimos (por exemplo a empresas ou países). Na prática, quando um banco quer colocar algum produto de investimento à venda no mercado financeiro contrata uma destas empresas para analisar detalhadamente as suas características e lhe dar um selo de risco associado (que varia entre F – muito arriscado – e AAA – muito seguro). O facto de estas empresas serem pagas pelo vendedor do produto que vai ser avaliado é controverso, especialmente porque elas só recebem se o cliente aceitar o rating que recebeu (senão, pode sempre tentar contratar outra agência concorrente que lhe dê uma avaliação melhor), mas muitos defendem que são quase sempre fiáveis pela importância que tendencialmente dão à sua reputação (se a Standards & Poors começasse a dar rating AAA a empréstimos arriscados, a sua reputação perder-se-ia e na prática o seu selo deixaria de ter qualquer significado).

Em relação aos produtos financeiros baseados em empréstimos habitação subprime, as agências de rating deveriam idealmente ter lançado um aviso aos investidores, nomeadamente avaliando tais produtos de forma extremamente negativa (por exemplo dando-lhes um rating de C ou de D). O que se passou na realidade, pelo contrário, foi que olharam para a constante tendência de valorização do mercado imobiliário e disseram algo como: “mesmo que as famílias não paguem, a casa que assegura o empréstimo vai continuar a valorizar e como tal o risco associado é muito baixo – vou avaliar o fundo de investimento com um A”. Os investidores finais, que na prática quase não sabem o que está dentro de cada pacote de produtos financeiros, têm pouco remédio senão confiar na palavra destas agências supostamente imparciais e conscientes. Como tal, compraram estes produtos baseados em empréstimos subprime como se fossem tão seguros como o rating lhes dizia.


A partir de meados de 2006, o mercado imobiliário mudou de forma assustadoramente rápida, com uma queda colossal que culminou no início de 2008. Tudo começou com a incapacidade de algumas famílias pagarem os empréstimos em que tinham incorrido (como era previsível, tendo em conta que se tratava do tal desempregado alcoólico com três filhos…). As suas casas começaram a ser-lhes retiradas pelos donos do empréstimo e postas novamente à venda, de forma a recuperar o investimento. O número de casas à venda começou a aumentar, ao mesmo tempo que cada vez menos pessoas estavam interessadas em comprar, o que foi contribuindo para uma redução dos preços. Com a baixa de preços das casas, algumas famílias viram-se numa situação interessante: estavam a viver numa casa que agora valia menos do que o empréstimo que ainda tinham por pagar! Nestes casos, e aproveitando uma cláusula contratual que lhes permitia devolver o imóvel em troco do restante valor em dívida, algumas famílias começaram pura e simplesmente a abandonar a casa onde viviam, para deixarem de pagar a prestação mensal. Isto baixou ainda mais o valor das casas.

Do outro lado da janela, no mundo financeiro, os mercados evoluíam de forma semelhante com a queda no valor dos produtos financeiros constituídos por empréstimos subprime. Os bancos, que apesar de servirem apenas de intermediário tinham um grande volume destes produtos financeiros nas suas contas (os tais empréstimos que ainda estavam a juntar em pacotes antes de os venderem), viram uma grande parte dos seus bens perderem todo o seu valor. Os investidores, que tinham muito dinheiro investido nestes fundos ao longo dos anos, foram afectados por perdas enormes. O mundo financeiro estagnou com uma falta de liquidez e começou a ameaçar ruir totalmente. Começou a crise financeira, e posteriormente a recessão (ver o post sobre a origem da crise).


Neste momento, ao mesmo tempo que se discute a melhor forma de controlar a recessão mundial problemática que vivemos, existe uma vontade enorme de apontar o dedo aos culpados e de mudar as regras do jogo para garantir que isto não volta a acontecer. Fala-se muito na regulamentação dos bancos (para não poderem entrar em situações de risco crítico), na nacionalização das empresas de rating (para não serem pagas pelo vendedor do produto que avaliam) e na revisão do sistema de incentivos dos trabalhadores do mundo financeiro (para não serem pessoalmente beneficiados por incorrerem em estratégias de alto risco). Todos estes pontos são altamente controversos, e serão brevemente descritos em posts imparciais.

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